O Advento é, por essência, um tempo de passagem: do ruído à escuta, da pressa à vigilância, da expectativa ao nascimento. Em 2025, esse movimento interior ganhou uma expressão acessível a todos os que procuram preparar o coração para o Natal: um percurso digital, inspirado no método da Lectio Divina, disponibilizado no YouTube. Mais do que conteúdos soltos, a proposta constitui um verdadeiro itinerário espiritual que acompanha os quatro domingos do Advento, convidando quem vê a entrar numa leitura orante da Palavra de Deus e a fazer dela um ponto de encontro, silêncio e ação.
Este percurso está alicerçado na tradição da Lectio Divina, um método de leitura espiritual da Escritura que atravessou os séculos, desde os monges do deserto até às comunidades cristãs de hoje. Embora simples na forma, envolve profundidade na vivência. Não se trata de um estudo bíblico académico, mas de uma leitura orante, dialogante e transformadora. Cada domingo propõe uma sequência clara de etapas: Lectio (Leitura), Meditatio (Meditação), Oratio (Oração), Contemplatio (Contemplação) e, por fim, Actio (Ação). Esta última etapa lembra que o Advento, além de contemplativo, é movimento; além de oração, é missão.
O início de cada vídeo coloca o espectador no terreno da vida real. Jovens aparecem em conversa informal, sentados num sofá, com chávenas de bebida quente, e uma vela acesa sobre a mesa. As palavras fluem entre sorrisos e reflexões, partindo de um ponto comum: o mundo está sempre à espera de algo que não sabe nomear, perdido entre o cansaço, a divisão e a incerteza. Há uma simplicidade nestes diálogos que não reduz a fé; antes, reencanta-a. Porque Jesus nasceu numa casa, no meio da noite, numa família concreta. E é ali, no quotidiano, que o percurso nos convida a regressar.
A etapa da Lectio começa sempre pela Palavra. No 1.º domingo do Advento, a primeira leitura é do profeta Isaías (Is 2,1-5). A escolha não é acidental: Isaías é o profeta que faz ouvir a esperança quando tudo parece ameaçado. A leitura fala da montanha do templo do Senhor, para onde afluem todas as nações, numa convocação comunitária: “Vinde, subamos à montanha do Senhor.” É um convite plural: o Advento não se caminha sozinho. Jerusalém simboliza o centro interior onde a paz precisa de nascer antes de ser semeada fora. E a profecia desenha uma imagem poderosa: as espadas transformadas em relhas de arado e as lanças convertidas em foices. O anúncio do Natal começa com o desarmamento do coração: largar as armas interiores da agressividade, da dureza, da indiferença, para que a vida se torne campo fértil.
O 1.º salmo do percurso (Sl 121/122) dá voz à alegria do recomeço: “Que alegria, quando me disseram: Vamos à casa do Senhor!” A proposta de Advento reinterpreta a peregrinação do povo de Israel a Jerusalém como um regresso interior: ao lugar onde Deus é centro, harmonia e lar. Não fala apenas de ir à igreja; fala de re-habitar o coração e fazer silêncio suficiente para encontrar uma casa para Deus dentro de nós.
O 2.º domingo continua com Isaías (Is 11,1-10). Aqui surge outra imagem ímpar, que atravessa todo o Advento: o “rebento do tronco de Jessé”. Um ramo verde que brota de um tronco seco. Em vez de oferecer sinais grandiosos, Deus promete um nascimento humilde, uma vida nova lenta, quase invisível, mas que cresce. Tal como no Advento acendemos uma nova vela a cada domingo, também a esperança cresce como um rebento que não pede pressa, mas paciência.
A 2.ª leitura de São Paulo aos Romanos (Rm 15,4-9) introduz uma marca decisiva do itinerário: a inclusão. “Acolhei-vos uns aos outros, como Cristo vos acolheu.” Acolher não é um gesto sentimental; é um movimento que cria espaço, que abre lugar à diferença, que une o que estava distante. Judeus e gentios, na época, eram mundos inconciliáveis. Acolhê-los juntos é preparar uma mesa onde caibam histórias, línguas, fragilidades e esperanças. O Natal começa quando criamos espaço para que ele aconteça no meio de nós.
O Evangelho do 2.º domingo (Mt 3,1-12) traz a voz radical de João Batista: “Convertei-vos, porque está perto o Reino dos Céus.” O percurso digital Lectio Divina de Advento de 2025 dá espessura a este grito: conversão não é remorso, é alinhamento. Endireitar caminhos dentro de nós, ardendo o que é palha, guardando o que é trigo. É uma purificação que não endurece, liberta.
O 3.º domingo escutamos novamente Isaías (Is 35,1-6.10). Se no 2.º domingo víamos um rebento nascer de um tronco seco, agora vemos florescer um deserto inteiro. O povo estava em exílio; carregava dentro um deserto de desilusão e dúvida. A profecia devolve ânimo ao coração abatido: “Deus vem para vos salvar. Fortalecei mãos cansadas.” A imagem dos coxos que saltam e dos mudos que cantam não exige literalismos: é um símbolo total. Recuperar a visão, a escuta, a voz, a força e o salto interior que tinham sido adormecidos pela noite do medo.
O Salmo 145/146 prolonga o retrato de Deus: Ele não falha na justiça, liberta os cativos, dá pão aos famintos e protege o estrangeiro. Um Deus próximo, que intervém no concreto da condição humana e não apenas no extraordinário.
O 4.º domingo do percurso traz novamente um texto curtíssimo e enorme: Isaías 7,10-14. Acaz não pediu sinal, mas Deus oferece um filho: “Emanuel” – Deus connosco. Se o mundo estava ameaçado, nasce a promessa de uma presença; um Deus que se envolve na história, que entra na carne humana, na vida partilhada, enquanto ainda cheirávamos a tronco cortado e coração pesado.
O Salmo 23/24 estás construído como uma liturgia de portas enormes que se abrem: “Levantai, ó portas, os vossos dintéis!” Quem pode entrar? Quem tem mãos inocentes e coração coerente. O critério não é a impecabilidade moral, é a verdade do coração. Deus não arromba a vida; entra quando criamos espaço para isso acontecer. A fé torna-se porta aberta, não ameaça percebida.
Depois da Lectio, o espectador é conduzido à Meditatio: um momento apenas de voz, que pergunta: “O que a Palavra me diz a mim?” Esta etapa desacelera. Não é comentário, é interiorização. A segunda etapa, Oratio, devolve a palavra ao orante: “O que eu digo a Deus?” Agora que a Palavra falou, cabe-nos responder. Não sobre Deus; para Deus. É uma oração que não nasce da necessidade de resolver tudo, mas da confiança de que Deus já começou a trabalhar.
A fase central, Contemplatio, aparece como texto rolante, sem voz humana, apenas silêncio musical e leitura lenta. É o momento onde “deixo Deus fazer.” Aqui não há performance: há pausa. Um Deus que não falha no encontro quando nos encontra dispostos a devolver-Lhe o nosso tempo mais frágil — o silêncio.
E por fim vem a Actio — a missão como consequência: “O que faço a partir daqui?” Porque a Palavra não deseja ser apenas escutada; deseja-nos transformados no real. Advento é também tempo de agricultor que prepara a terra, sentinela que guarda a noite, porta que se abre e rebento que cresce.
O valor mais profundo deste percurso digital está precisamente no que ele não faz: não acelera, não compete, não busca sinais grandiosos; não exige perfeição moral imediata. Faz o contrário: educa o olhar para a lentidão do nascimento, para a semente, para o outro, para o centro interior do templo e da cidade futura que Deus prepara por dentro. E encerra como começou, nas velas acendidas no quotidiano: um pequeno fogo de presença que se torna progressivamente luz.
A Lectio Divina de Advento 2025 no YouTube é mais do que um conjunto de vídeos. É um roteiro espiritual comunitário, com capacidade de iniciar perguntas, abrir silêncios, fortalecer esperanças e gerar decisões. Porque o Natal vem aí. E o coração prepara-se assim: caminhando, silenciando, acolhendo, vigilando. Até nascer Cristo dentro de nós. Amén.
